Carta Ao Painel do Leitor da Folha de São Paulo

SENHOR EDITOR:

Em relação à celeuma provocada pela “droga USP para câncer”, gostaríamos de expor o seguinte:

1-) O processo de desenvolvimento de uma droga demora em torno de 7 a 10 anos, desde o processo inicial de sua descoberta (seja química ou através de plantas). Pode, em muitos casos, ultrapassar em muito este tempo (no caso do Taxol foram mais de 15 anos).

2-) Existe um processo fundamentado e validado de desenvolvimento que inclui estudos não clínicos ( em células e animais) e clínicos (em suas diversas fases –I, II e III). Este processo é reconhecido por todos os órgãos reguladores ( Europa, Estados Unidos, Japão, Brasil, etc.)

3-) Por mais que os resultados não clínicos sejam promissores não há justificativa científica para o seu uso sem que haja uma avaliação prévia de segurança e eficácia. Há o risco de não demonstrar eficácia e o que é pior ser inseguro ou mesmo interagir negativamente no efeito da quimioterapia tradicional

4-) No estágio mencionado de desenvolvimento desta droga pode-se concluir que ainda há um caminho longo a ser percorrido antes que ela possa estar disponível no mercado

5-) De 10 000 moléculas apenas 1 ou 2 chegam ao mercado, depois de todos os anos de estudos não clínicos e clínicos

6-) Assim, o seu uso precoce é anticientífico ( sem comprovação científica), antiético( uso em seres humanos sem nenhuma base clínica) e ilegal (não é aprovado pela ANVISA)

7-) Há de se compreender o desespero das famílias em busca de alguma esperança para o tratamento dos pacientes com câncer. No entanto, a quimioterapia e/ou radioterapia tem se mostrado bastante útil no tratamento de diversas formas de câncer e está disponível em muitos centros, através do SUS

8-) Devemos estar cientes que centenas de drogas já foram apontadas como miraculosas no tratamento do câncer sem que houvesse posteriormente sua comprovação científica e aprovação dos órgãos reguladores

9-) Não nos cabe entrar na discussão jurídica mas se partirmos da premissa de que o paciente está em primeiro lugar ainda assim devemos levar em conta os riscos assumidos quando lhe permitimos ter acesso a drogas novas e não testadas previamente

10-) Finalmente, cabe um alerta para os cientistas quando da divulgação dos resultados de suas pesquisas e seu eventual impacto na mídia e na população.

DR. João Massud Filho

Presidente da Sociedade Brasileira de Medicina Farmacêutica

CRM-SP 23066